Os Desastres de Sofia
Os Desastres de Sofia é um conto
escrito por Clarice Lispector que retrata uma situação cotidiana dentro de uma
sala de aula. De um lado temos um professor recatado e frustrado e do outro,
uma aluna inquieta e atrevida que sente prazer em atormentar seu educador.
A relação de amor e ódio entre o professor e a aluna é o que torna o enredo tão
particular. Apesar de toda a implicância, a menina sente uma atração tão grande
por seu orientador que esse sentimento várias vezes é associado ao amor.
O nome da aluna nunca é
anunciado, mas, devido ao título do conto, fica subentendido que ela se chama Sofia. As obras de Clarice se baseiam em fatos do dia-a-dia que trazem
aos personagens um sentimento de autodescoberta. Como esse é o foco da autora,
raramente iremos encontrar uma obra da mesma que foque em localidades, ou
descreva situações fantasiosas.
A atração que se inicia como uma
vontade de desacreditar o professor publicamente, que se mistura com um
sentimento de pena e vontade de chamar atenção, logo se torna algo essencial
para Sofia, como se ela necessitasse da atenção, mesmo que repleta de ódio, do
seu educador. Essa vontade de atormentar o professor advém de uma descoberta de
Sofia. Ela descreve essa descoberta como algo que a ofendeu, que seria a
infelicidade do professor em lecionar para sua turma.
Apesar de demonstrar um total
domínio da situação, Sofia ainda sim é angustiada, afinal, tudo que ela
representa para o professor não passa de uma encenação. A forma como age não a
agrada, mas, para a mesma, é a única existente nessa situação. Sendo assim,
Sofia age como em uma apresentação teatral, onde o palco é o ambiente escolar,
e o ato é composto apenas pela representação dos dois.
A infelicidade de ambos é algo
que permeia a atmosfera do conto até o final, quando ocorre o tão esperando
momento de epifania, comum nos contos de Clarice. O professor resolve passar
uma composição para a turma, na qual cada um escreveria com suas palavras a
história que o educador contaria. Quem fosse terminando seria liberado para o
tão esperado intervalo. A menina resolve que seria a primeira a terminar a
composição, não só por causa de sua enorme vontade de se ver livre da aula, mas
também para desafiar aquele professor, que passara um trabalho digno de desprezo.
Devido a um esquecimento, Sofia
retorna a sala para buscar algo que deseja mostrar para os colegas, e então
ocorre algo que não estava planejado dentro de sua espécie de apresentação
teatral. O professor encontra-se só na sala, e a menina se vê totalmente sem
subterfúgios diante dele. Ao tentar fugir da situação embaraçosa, a criança
escuta seu nome e se vê obrigada a se aproximar do homem que, apesar de amar,
teme.
Esperando a repreensão, Sofia se
aproxima assustada, se preparando para ouvir uma bronca, uma resposta do
professor a todo o tempo de tormenta que ela o proporcionou. Mas,
diferentemente de tudo que o a criança esperava, o professor questiona sua
composição. Surpresa, a mente caótica e intensa da menina passa a tentar
compreender o momento inesperado que está se passando.
E como se isso não bastasse, o
professor elogia o trabalho executado pela menina, o que a deixa totalmente sem
chão. É como se toda a representação anterior não tivesse valido nada, como se
apenas aquela composição fosse o suficiente para o professor conhece-la.
Conhecer seu verdadeiro eu. Naquele momento, não apenas a imagem de Sofia é
alterada, mas a do professor também. A ideia de orientador frustrado, passada
durante todo o conto, desaparece nesse momento, para dar lugar a um professor
surpreso, sem jeito e até simpático.
A angústia de Sofia torna-se
desespero diante do professor sereno que acabou de conhecer. Ela vê parte de
seu verdadeiro eu sendo exposto e vê o verdadeiro eu do professor diante de si,
e isso ocorre de forma tão inesperada, que ela sente todo peso de sua
verdadeira essência sobre as costas. Ainda mais pesada é a mudança que sua
essência causa no professor.
O peso que vem junto com a
aceitação da verdadeira essência, significa o amadurecimento do ser, a epifania.
Sofia cativou o professor com sua verdadeira personalidade, e, parafraseando
Antoine de Saint Exupéry, ‘’tu te tornas eternamente responsável por aquilo que
cativas’’. O peso da responsabilidade era demais para a menina. Era um peso
maior do que ela poderia aguentar.
''Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.'' Luís Fernando Veríssimo