terça-feira, 12 de novembro de 2013

Clarice Lispector

Os Desastres de Sofia

Os Desastres de Sofia é um conto escrito por Clarice Lispector que retrata uma situação cotidiana dentro de uma sala de aula. De um lado temos um professor recatado e frustrado e do outro, uma aluna inquieta e atrevida que sente prazer em atormentar seu educador.  A relação de amor e ódio entre o professor e a aluna é o que torna o enredo tão particular. Apesar de toda a implicância, a menina sente uma atração tão grande por seu orientador que esse sentimento várias vezes é associado ao amor.
O nome da aluna nunca é anunciado, mas, devido ao título do conto, fica subentendido que ela se chama Sofia.  As obras de Clarice se baseiam em fatos do dia-a-dia que trazem aos personagens um sentimento de autodescoberta. Como esse é o foco da autora, raramente iremos encontrar uma obra da mesma que foque em localidades, ou descreva situações fantasiosas.
A atração que se inicia como uma vontade de desacreditar o professor publicamente, que se mistura com um sentimento de pena e vontade de chamar atenção, logo se torna algo essencial para Sofia, como se ela necessitasse da atenção, mesmo que repleta de ódio, do seu educador. Essa vontade de atormentar o professor advém de uma descoberta de Sofia. Ela descreve essa descoberta como algo que a ofendeu, que seria a infelicidade do professor em lecionar para sua turma.
Apesar de demonstrar um total domínio da situação, Sofia ainda sim é angustiada, afinal, tudo que ela representa para o professor não passa de uma encenação. A forma como age não a agrada, mas, para a mesma, é a única existente nessa situação. Sendo assim, Sofia age como em uma apresentação teatral, onde o palco é o ambiente escolar, e o ato é composto apenas pela representação dos dois.
A infelicidade de ambos é algo que permeia a atmosfera do conto até o final, quando ocorre o tão esperando momento de epifania, comum nos contos de Clarice. O professor resolve passar uma composição para a turma, na qual cada um escreveria com suas palavras a história que o educador contaria. Quem fosse terminando seria liberado para o tão esperado intervalo. A menina resolve que seria a primeira a terminar a composição, não só por causa de sua enorme vontade de se ver livre da aula, mas também para desafiar aquele professor, que passara um trabalho digno de desprezo.
Devido a um esquecimento, Sofia retorna a sala para buscar algo que deseja mostrar para os colegas, e então ocorre algo que não estava planejado dentro de sua espécie de apresentação teatral. O professor encontra-se só na sala, e a menina se vê totalmente sem subterfúgios diante dele. Ao tentar fugir da situação embaraçosa, a criança escuta seu nome e se vê obrigada a se aproximar do homem que, apesar de amar, teme.
Esperando a repreensão, Sofia se aproxima assustada, se preparando para ouvir uma bronca, uma resposta do professor a todo o tempo de tormenta que ela o proporcionou. Mas, diferentemente de tudo que o a criança esperava, o professor questiona sua composição. Surpresa, a mente caótica e intensa da menina passa a tentar compreender o momento inesperado que está se passando.
E como se isso não bastasse, o professor elogia o trabalho executado pela menina, o que a deixa totalmente sem chão. É como se toda a representação anterior não tivesse valido nada, como se apenas aquela composição fosse o suficiente para o professor conhece-la. Conhecer seu verdadeiro eu. Naquele momento, não apenas a imagem de Sofia é alterada, mas a do professor também. A ideia de orientador frustrado, passada durante todo o conto, desaparece nesse momento, para dar lugar a um professor surpreso, sem jeito e até simpático.
A angústia de Sofia torna-se desespero diante do professor sereno que acabou de conhecer. Ela vê parte de seu verdadeiro eu sendo exposto e vê o verdadeiro eu do professor diante de si, e isso ocorre de forma tão inesperada, que ela sente todo peso de sua verdadeira essência sobre as costas. Ainda mais pesada é a mudança que sua essência causa no professor.

O peso que vem junto com a aceitação da verdadeira essência, significa o amadurecimento do ser, a epifania. Sofia cativou o professor com sua verdadeira personalidade, e, parafraseando Antoine de Saint Exupéry, ‘’tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas’’. O peso da responsabilidade era demais para a menina. Era um peso maior do que ela poderia aguentar. 


''Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.'' Luís Fernando Veríssimo


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